Arquivo da tag: guerra

dia 14

Foto: Eduardo de Ávila

por Leandro Lopes |

Quando o rio vaza-barris afundou as ruínas de canudos, com a construção da barragem em 1969, ninguém talvez tenha percebido que se cumpria assim a profecia conselheirista de que o sertão iria virar praia. Onde antes era terra seca e pedra, hoje é mar. Ontem, a equipe do Sertão como se fala esteve o mais próximo possível da única parte da cidade não submersa, uma ponta de uma das igrejas da Canudos reconstruída ou segunda Canudos que foi erguida depois do massacre e genocídio da Belo Monte de Antônio Conselheiro. Assistimos ao por do sol e o aparecer das estrelas. Noite clara, clima quente. Dali, olhando a ponta da igreja e o céu, fiquei pensando naquelas almas, histórias e memórias submersas, escondidas por força militar de um desejo de esquecimento. Pensei que é preciso ser forte até mesmo para lembrar da Canudos do velho Conselheiro. Pensei que é preciso doses potentes de resistência para se permitir a sobrevivência das lembranças. Pensei que nesse ato de lutar para se fazer presente, Canudos grita suas vitórias, emite os sons a dizer que são de pequenas, mas também das grandes revoluções que se edifica caminhos melhores e possíveis. A dita nova Canudos é pobre, seca e carente, mas existe nesse povo daqui um olhar vitorioso de quem resistiu, um olhar que nos diz que a omissão é a pior maneira de morrer afogado.

dia e sol

foto

por Camila Bahia |

A natureza é indiferente – escrevi no meu caderno de capa preta, durante uma aula de laboratório de videodocumentário. Foi depois de assistir “Noite e neblina”, em que flores amarelas e vegetação verde se alastravam por campos de concentração na Polônia – anos depois de tudo aquilo ter sido cortado em cinza-sangue.

Escrevo agora a mesma coisa em meu caderninho marrom de flores, que caminha comigo pelo sertão. A natureza é indiferente também em Canudos. A água afoga o que já havia sido destruído pelas mãos e pólvoras humanas. O verde cresce em volta com amostras de lilás e amarelo aqui e lá.

Plantas-arame, pedras-água, gente-terra. Gente-guerra. Os pássaros que flanam não sabem dos tiros e gritos e urros de vida e morte ali já ecoados. Nada sabe o que foi.

[Enquanto pensava isso no calor que vem do chão e dos ares de Canudos, passou por mim o mesmo uivo do Monte Santo. Como um sussurro ao ouvido. O sertão está cada vez mais em mim.]