Acho que a última vez que ouvi alguma coisa sobre Canudos (BA) foi na escola.
Estar em um cenário de luta e resistência como aquele, que hoje faz parte do Parque Estadual de Canudos, me fez pensar em coisas demais.
Acho que a última vez que ouvi alguma coisa sobre Canudos (BA) foi na escola.
Estar em um cenário de luta e resistência como aquele, que hoje faz parte do Parque Estadual de Canudos, me fez pensar em coisas demais.
por Leandro Lopes |
Quando o rio vaza-barris afundou as ruínas de canudos, com a construção da barragem em 1969, ninguém talvez tenha percebido que se cumpria assim a profecia conselheirista de que o sertão iria virar praia. Onde antes era terra seca e pedra, hoje é mar. Ontem, a equipe do Sertão como se fala esteve o mais próximo possível da única parte da cidade não submersa, uma ponta de uma das igrejas da Canudos reconstruída ou segunda Canudos que foi erguida depois do massacre e genocídio da Belo Monte de Antônio Conselheiro. Assistimos ao por do sol e o aparecer das estrelas. Noite clara, clima quente. Dali, olhando a ponta da igreja e o céu, fiquei pensando naquelas almas, histórias e memórias submersas, escondidas por força militar de um desejo de esquecimento. Pensei que é preciso ser forte até mesmo para lembrar da Canudos do velho Conselheiro. Pensei que é preciso doses potentes de resistência para se permitir a sobrevivência das lembranças. Pensei que nesse ato de lutar para se fazer presente, Canudos grita suas vitórias, emite os sons a dizer que são de pequenas, mas também das grandes revoluções que se edifica caminhos melhores e possíveis. A dita nova Canudos é pobre, seca e carente, mas existe nesse povo daqui um olhar vitorioso de quem resistiu, um olhar que nos diz que a omissão é a pior maneira de morrer afogado.
por Camila Bahia |
A natureza é indiferente – escrevi no meu caderno de capa preta, durante uma aula de laboratório de videodocumentário. Foi depois de assistir “Noite e neblina”, em que flores amarelas e vegetação verde se alastravam por campos de concentração na Polônia – anos depois de tudo aquilo ter sido cortado em cinza-sangue.
Escrevo agora a mesma coisa em meu caderninho marrom de flores, que caminha comigo pelo sertão. A natureza é indiferente também em Canudos. A água afoga o que já havia sido destruído pelas mãos e pólvoras humanas. O verde cresce em volta com amostras de lilás e amarelo aqui e lá.
Plantas-arame, pedras-água, gente-terra. Gente-guerra. Os pássaros que flanam não sabem dos tiros e gritos e urros de vida e morte ali já ecoados. Nada sabe o que foi.
[Enquanto pensava isso no calor que vem do chão e dos ares de Canudos, passou por mim o mesmo uivo do Monte Santo. Como um sussurro ao ouvido. O sertão está cada vez mais em mim.]
“Cego Júlio: Seu Antônio, tá vendo aí bem adiante dos seus olhos?
Antônio das Mortes: É o sertão grande de Canudos.
Cego Júlio: A pois, nesse grande eu enxergo a terra vermelha do sangue de Conselheiro. Morreu quatro expedições do governo”.
Há 117 anos, morria Antônio Conselheiro. Ao se olhar para o grandioso sertão de Canudos, dá vontade, de fato, de se perguntar – assim como Glauber Rocha em ‘Deus e o Diabo na Terra do Sol’: ‘como ele resistiu tanto’?
Conselheiro é um dos poucos nomes brasileiro capazes de ativar no imaginário popular brasileiro o símbolo da resistência. Morto em 22 de setembro de 1897, Antônio Conselheiro lutou pelo que considerava um modelo de sociedade igualitária, socialista, com uma população de negros (recém-libertos) e índios. Resistiu até a quarta expedição do Exército Brasileiro, composta por mais de 7 mil soldados.
E hoje? O quê Antônio Conselheiro representa daquele Brasil república que nascia? Com que olhos os sertanejos olham hoje suas lembranças, mentiras e verdades? O documentário ‘Sertão como se fala’ também deseja entender o quê ainda existe do imaginário sertanejo pelo sertão atual: o quanto essas histórias mudam as pessoas e o quanto as pessoas mudam essas histórias?
Para o filme, é emblemático começar uma campanha de financiamento coletivo no Catarse em uma data tão simbólica como a de hoje: 22 de setembro, 117 anos de morte de Antônio Conselheiro. Queremos entender as peculiaridades do abecedário do sertão, mas, para isso, é preciso compreender a história do sertanejo, suas heranças culturais e identitárias que transformaram ao longo dos tempos suas formas de sociabilidade: o quê é o Sertão hoje? Como ele se transformou a partir das suas memórias?
Que os Antônios Conselheiros da resistência sejam firmes também à força do tempo e que as histórias do Brasil possam ser lidas com outros olhares! Acesse a página da campanha no Catarse, conheça detalhes do projeto e colabore! Pegue carona no abc do sertão e nos ajude a descobrir novas formas de soletrar o mundo!
Há exatos 117 anos, morria Antonio Conselheiro e nascia um dos mais importantes símbolos de resistência do Brasil – sem dúvidas um dos mais fortes no nosso imaginário popular. Quando o Arraial de Canudos foi enfim tomado pelas forças republicanas, no início de outubro de 1897, Antônio Conselheiro era só corpo e lembranças.
Ele fundou um vilarejo às margens do Rio Vaza-Barris, que nos anos de 1890 chegou a ser a segunda maior cidade da Bahia, com mais de 30 mil habitantes. Naquele momento, o “profeta”, como era denominado, se propunha a tentar organizar uma sociedade igualitária, socialista, com uma população de negros (recém-libertos) e índios. No entanto, por ser contrário ao regime republicano, viu sua cidade ser destruída e seu povo, vítima de um dos maiores genocídios da história do país.
Antes do massacre, os conselheiristas, armados com instrumentos primários de guerra, como cacetes, espingardas e garruchas, venceram três expedições do Exército Brasileiro – a primeira com 200 soldados, a segunda com 600 e a terceira com mais de 1.200 homens. A derrota dos conselheiristas ocorreu diante da quarta expedição que foi organizada a partir de duas colunas e mais de 7 mil soldados.
Depois de executarem todas as pessoas que viviam no Arraial, incluindo mulheres e crianças, os soldados do Exército encontraram o corpo de Conselheiro, já enterrado. Não se sabe exatamente como ele morreu.
Quase doze décadas depois, voltaremos a Canudos e não podemos deixar de questionar: o quê Antônio Conselheiro continua a representar daquele Brasil república que nascia, ali? Com que olhos os sertanejos olham hoje suas lembranças, mentiras e verdades? O documentário ‘Sertão como se fala’ também deseja entender o quê ainda existe do imaginário sertanejo pelo sertão atual: o quanto essas histórias mudam as pessoas e o quanto as pessoas mudam essas histórias?
Que os Antônios Conselheiros da resistência sejam firmes também às forças dos tempos e que as histórias do Brasil possam ser recontadas com outros olhares!