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fora de campo, dentro dos nós, aqui |

por fernanda brescia |

uma garoa tímida foi uma das mais marcantes surpresas que nos encontrou em riachão do jacuípe [bahia]. a primeira entrevista seguiu sob uma chuva de sílabas e palavras, de fês, lês e muitos ‘sís’, que nos acompanham desde que somos e pra [a]cá[sos] viemos.

a primeira entrevista também deixou de seguir. a lembrança da mãe fez chover os olhos e tardou as batidas do peito. um copo d’água entrou em cena, uma cadeira entrou em cena, entramos tod@s e a cena deixou de ser e foi além. o que era ‘precipitação’ cessou do céu e alcançou nossas pernas coladas no calçamento.

Foto: Leandro Lopes.

Foto: Leandro Lopes.

depois da conversa, um convite. mais: uma convocação. o almoço está servido. o sentimento de tod@s diz que sim. há que correr, mas aqui o tempo é outro. queremos ficar, temos sede, adentrar é preci[o]so.

Foto: Breno Conde.

Foto: Breno Conde.

há de mergulhar os dedos na bacia de metal, lavar as mãos, purificar o ser, tão antes de alcançar o que está dentro. a casa do outro tem as portas bem abertas e ar só faz faltar aqui no peito.

acima da bacia, toalhinha, um espelho e simpatia. nos reflexos, fotos de toda a família. mais da metade vive em são paulo. e nas memórias. e nas narrativas do que nos conta o outro – ele, que aprendeu a escrever o que ouvia pra mandar cartas para quem lhe faltou durante um tempo. as foto-grafias com versos no avesso cobrem a parede da sala, enfeitam a vida, tapam as camadas de saudade, clamam por futuros encontros o mais breve que seja. ‘quem tem dois tem um’, ele ensina.

o filho caçula é pedreiro e chegou apressado do trabalho para se juntar a nós, na refeição. não coubemos na mesa, onde se recostavam vasilhas de macaxeira, macarrão, bife, linguiça, arroz, feijão, farinha e suco tamanho família. nos sentamos em torno do que construímos há pouco, do que construíamos ali, a cada garfada, a cada palavra, a cada mirada.

na saída, um pai nosso e o cartão de visitas em que se lia: ‘presidente, representante, advogado e defensor espiritual. com jesus estou vivendo e vou viver para sempre’.

e mais uma vez perguntamos sobre o abc numérico. e ele contou, em letras de língua. ‘amor e deus tomam as palavras’, completou. e, mais uma vez, um clique. e outro, que também registrou nosso encontro. mais uma vez, de mãos dadas e olhos cerrados, nos despedimos da família e nos abraçamos com a saudade que se vê na foto que cobrirá o mais breve possível a parede da sala.

dia 14

Foto: Eduardo de Ávila

por Leandro Lopes |

Quando o rio vaza-barris afundou as ruínas de canudos, com a construção da barragem em 1969, ninguém talvez tenha percebido que se cumpria assim a profecia conselheirista de que o sertão iria virar praia. Onde antes era terra seca e pedra, hoje é mar. Ontem, a equipe do Sertão como se fala esteve o mais próximo possível da única parte da cidade não submersa, uma ponta de uma das igrejas da Canudos reconstruída ou segunda Canudos que foi erguida depois do massacre e genocídio da Belo Monte de Antônio Conselheiro. Assistimos ao por do sol e o aparecer das estrelas. Noite clara, clima quente. Dali, olhando a ponta da igreja e o céu, fiquei pensando naquelas almas, histórias e memórias submersas, escondidas por força militar de um desejo de esquecimento. Pensei que é preciso ser forte até mesmo para lembrar da Canudos do velho Conselheiro. Pensei que é preciso doses potentes de resistência para se permitir a sobrevivência das lembranças. Pensei que nesse ato de lutar para se fazer presente, Canudos grita suas vitórias, emite os sons a dizer que são de pequenas, mas também das grandes revoluções que se edifica caminhos melhores e possíveis. A dita nova Canudos é pobre, seca e carente, mas existe nesse povo daqui um olhar vitorioso de quem resistiu, um olhar que nos diz que a omissão é a pior maneira de morrer afogado.

um filme de afetos, acasos, descobertas |

por fernanda brescia |

sobre decidir gravar o que cruzava apenas o imaginário, juntar oito peitos abertos, dezesseis janelas dispostas, dois veículos e uma sem medida vontade de chão. um filme de afetos. de reaprender a ler: a – fê – ê – tê – o – sí. um filme sobre um alfabeto. e sons de outros brasis.

foto (4)

placas do sudeste, carrocerias do nordeste, tratores, cargas de todo um país. sobre se perder e encontrar uma nova brescia em antônio dias; e outra logo mais ali. quando ‘sul’ e ‘norte’ se encontram o que era mi-to se dissolve. ‘a luz foi quem mandou esperar (…). a luz põe dias e sóis no lugar. a luz vem. nada está no lugar’, entoa romulo fróes pelas ondas do som, na estrada.

sobre perder de vista rios e mares de morros e se deixar banhar por secos horizontes do que só aparentemente não acaba. não acaba nas nossas retinas. e reticências.

foto (2)

garoa fina e 16º C nos receberam – e surpreenderam – na primeira grande parada rumo ao sertão: vitória da conquista. depois de 850 quilômetros, sentir o corpo querendo chegar e os olhos querendo pouso. e o que segue pra além da estrada e do que se pode ver.

dia um

Foto: Sarah Dutra

Foto: Sarah Dutra

por Leandro Lopes |

Primeiro dia. 850 quilômetros. Poucas saudades de um monte de coisas… muita vontade de fazer tudo acontecer, algumas indecisões e uma mão cheia de dedos de alguns medos também. Céu claro, dia sem chuva, boa comida, pouca água porque esqueci de bebê-la. Boa conversa e ótimas músicas. Nenhum susto. Devo correr menos amanhã, tentar perceber melhor a paisagem dos lugares, parar em Milagres, encontrar um tio e uma feira de tudo que fui quando criança. Muita coisa boa chegou pelas redes sociais, energias e boas notícias. O melhor ainda foi reencontrar o sotaque, ouvir os baianos falando baianês é sempre saboroso. Hoje foi lindo, amanhã, dia dois, será mais belo. Está só começando.