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in-fin-itude

por Camila Bahia

‘Esse filme só acaba quando voltarmos nesses lugares para exibi-lo’ – Leo me mostrou suas palavras recém escritas, durante uma gravação. Enquanto éramos apresentados a mais um mundo, possível a partir de um alguém. De trás das câmeras, nos olhamos e, em silêncio, concordamos.

Esse filme só acaba quando voltarmos nesses lugares para exibi-lo. Quando todos aqueles sorrisos se enxergarem na tela. Quando forem eles duplos – fora e dentro do filme.

Mas muitas das despedidas me abraçam o coração com a sensação do raro. Do único. De um encontro que se dá e que se encerra ali. Que existe em si só. Que acontece em toda sua potência e carrega muita força e verdade em sua finitude.

Alguns não verão. Esse filme nunca acaba.

Foto: Camila Bahia

Foto: Camila Bahia

dia e sol

foto

por Camila Bahia |

A natureza é indiferente – escrevi no meu caderno de capa preta, durante uma aula de laboratório de videodocumentário. Foi depois de assistir “Noite e neblina”, em que flores amarelas e vegetação verde se alastravam por campos de concentração na Polônia – anos depois de tudo aquilo ter sido cortado em cinza-sangue.

Escrevo agora a mesma coisa em meu caderninho marrom de flores, que caminha comigo pelo sertão. A natureza é indiferente também em Canudos. A água afoga o que já havia sido destruído pelas mãos e pólvoras humanas. O verde cresce em volta com amostras de lilás e amarelo aqui e lá.

Plantas-arame, pedras-água, gente-terra. Gente-guerra. Os pássaros que flanam não sabem dos tiros e gritos e urros de vida e morte ali já ecoados. Nada sabe o que foi.

[Enquanto pensava isso no calor que vem do chão e dos ares de Canudos, passou por mim o mesmo uivo do Monte Santo. Como um sussurro ao ouvido. O sertão está cada vez mais em mim.]

luminescência

Foto: Sarah Dutra

Foto: Sarah Dutra

por Camila Bahia |

Uma semana de fotos mentais diárias. Uma semana com lua laranja na estrada, com lua prateando pedaços de água, com lua brilhando junto com estrelas salpicadas. Uma semana de céus, nuvens e luzes novas, nunca antes desenhadas.

Congelei imagens na mente sabendo que daqui pra frente elas são parte de mim. Por mais de uma vez olhei pela janela do carro ou das íris, senti o vento no rosto e quis agradecer. Outras belezas, outras formas de ser e estar viva. Agradecer pela caminhada das minhas pernas e pelas pernas que vêm com as minhas.

[luzes como a dessa foto que Sarinha tirou. nessa pedra, nesse monte muito santo, muito cheio de energia e ar e luz, onde pude – obrigada! – rabiscar essas palavras.]

pela janela

Foto: Camila Bahia

Foto: Camila Bahia

dia 02

passamos pela ruína de uma casa. e mais muitas casas em ruínas. em algum momento antes, eu já havia me lembrado da casa onde criamos Hannah, na pracinha, mobiliada com minhas panelas rosas de plástico. pensei num documentário em que levaríamos antigos proprietários ao que sobrou do que já foi lar. haveria de resgatar essas ligações: em cartórios, escrituras e cômodos da mente. quem foram ali? quem saíram dali? hoje, tijolos expostos, vísceras escondidas; mato.

de não-lugares somos feitos.