Arquivo da categoria: diários

Ah!, o Sertão…

print_transcrição2

Por Leandro Lopes |

As transcrições de todas as imagens, de todos os 34 dias, de todas aquelas estradas, de todos aqueles encontros, estão chegando ao final. Estas quase 100 páginas de word estão a virar um bloco de anotações na mão e um pré-roteiro na cabeça. O que era sentimento de angústia, vem virado substâncias de alegrias. Falta pouco a transcrever e a sensação que me atola é aquela mesma de quando um bom livro vem chegando ao final. Ah!, o Sertão…

dia 115 d.S. (ou sobre a angústia e o amor de montar)

CYMERA_20150130_113515

por Leandro Lopes |

Eu queria nunca ter visto filme nenhum. São quase quatro horas da manhã. Passei a noite (ou madrugada) a rever o sertão que a gente viu e registrou. Na ilha de edição na qual me encontro, só agora percebi que desde o início do mapeamento eu tento ver o filme como eu gostaria que ele fosse. Talvez seja o mesmo filme de quando nem filme existia, de quando ele era somente um sonho, de quando 34 dias de estrada era quase uma abstração. Feito filho que a gente custa a acreditar que não é lá um grande jogador de futebol. Que a gente custa a perceber que o negócio dele é a patinação. Ao não encontrar o filme que cismei que existia, tenho uma sensação aguda de uma decepção abestalhada.

A madrugada foi longa! Mas agora, às 4h, vejo que o filme que se constrói, não sei por quais forças externas, por quais ventos soprados, é, de fato, melhor do que o filme que eu queria. É quase uma facada no peito. É uma traição que é construída sem traidor. É a angústia que desceu ao playground a zombar desse pobre aspirante a documentarista. Talvez o filme que eu queria tanto é aquele carregado de bagagens que agora eu desejava não ter. Não que tivesse muito, mas o pouco que tenho já me sobrecarrega demasiadamente neste instante. Queria nunca ter visto outros filmes. Amanhã, logo cedo, vou tentar imaginar um deserto, desvendar outros recomeços. Admitir que a certeza sobre um filme que insiste em não existir e que não existirá, é fato, é o pior caminho que tenho para percorrer nessa imensidão de possibilidades. Amanhã, será um depois possível. Decepcionado, é engraçado isso, me sinto agora, a saber dos meus erros, um grande apaixonado por tudo isso.

dia 64 d.S.

_MG_6589

Por Leandro Lopes
Foto: Sarah Dutra

Há 30 dias fazíamos nosso último take. Olhávamos para o São Francisco, cada um via um filme a ser finalizado. De lá para cá, encerramos nossa bonita campanha no catarse, cuidamos de burocracias e pendências (dessas que nunca aparecem em filmes), fizemos reuniões sobre o futuro, reorganizamos a casa, no caso o Coletivo Adiante, e deixamos todo o material, seus quase dois terabytes, em descanso. É bom manter uma certa distância, dizem. Esses dias, fiquei olhando para a ilha de edição e tentando imaginar em que tudo isso resultará, se os planos do primeiro corte darão certo, se os sonhos das madrugadas ansiosas se tornarão reais, se o filme será capaz de traduzir tudo aquilo que nossos entrevistados (objetos, encontros) nos espetaram e atravessaram durante aqueles dias calorosos. Tenho achado que a maturação já anda a ganhar mofos e, se não se trata de ansiedade em demasia, já passou da hora de começar a fuçar tudo e descobrir se os planos andarão por caminhos conhecidos e já sonhados ou teremos que percorrer outros trajetos de roteiro para finalizar nossas imaginações de sertão. Esses dias passo a ouvir tudo que anda silencioso nos arquivos dessa ilha de edição. Vou dar vozes aos nossos medos de acertos e erros. Vou começar pelo último take.

Dos 34 dias de sertão

_MG_8630

Do pouco que li, ouvi e vi sobre cinema, aprendi que é possível percorrer incontáveis caminhos e percebi que existem infinitas formas de se fazer um documentário. Dizem até que cada filme é um modelo de produção diferente, piorado ou melhorado, em relação a um outro qualquer. Cada processo no seu quadrado. Mas de nenhum desses teóricos, cineastas, produtores, atores, amantes, cinéfilos, amigos, desse povo todo que me forma enquanto alguém interessado em cinema, de nenhum deles, ouvi dizer que existe uma forma de fazer um filme a partir do amor de uma equipe. Ninguém! A experiência que acabei de viver, de 34 dias no sertão, me conta, ao pé do ouvido, que esse filme que começa a ser montado agora, é um resultado de muitas coisas, mas é, sobretudo, o resultado de um trabalho de pessoas que se afetaram, se amaram, e se costuraram ao longo dos mapas, estradas, hotéis, praças, ruas, vielas, caminhadas, cafés e cigarros.  Seus bastidores é sobre uma produção de pessoas que se respeitaram, que se ouviram, que se contestaram, que se duvidaram, que se acreditaram. Seu resultado dificilmente mostrará isso porque não é um filme sobre a produção de um filme, mas a gente sabe que ele só foi possível porque existiu afetos e sorrisos coletivos. A gente sabe que ele só foi possível porque nossos olhares se entrecruzam, nossos apertos emitiram sinais, nossas conversas renovaram os espíritos, nossos choros ganharam abraços sinceros. Nesses 34 dias fui bem mais feliz do que esperava. Fui bem mais feliz do que a felicidade de alguém que realiza um sonho e constrói um filme. Fui bem mais feliz porque tive uma imensa equipe do meu lado. Dos 34 dias de sertão, aprendi que sou alguém sortudo no mundo.